sábado, 11 de dezembro de 2010

Confissão de um banheiro



Olá, eu me chamo banheiro, sim, isso mesmo, BANHEIRO. Eu sou do tipo discreto, confiável, escondido, só sabem minha localização aqueles que não têm um pingo de decência, os que a tem passam por mim e nem olham.
Falando um pouco de mim, eu sou meio frio quando me refiro às pessoas, isso porque são elas quem sujam minhas paredes, que coitadas, já não aguentam mais ouvir suspiros, gemidos e juras de casais clandestinos (se é que se pode chamá-los de casais).
Já foram camuflados por mim rapazes que fumavam, esses me davam pena, também os que bebiam, esses me irritavam, pois sempre vomitavam no meu chão, mas já camuflei também os rapazes que se beijavam e que obviamente faziam sempre um pouco mais, mas minha discrição não  permite revelar esses detalhes.
Esses rapazes que se beijavam, eram os que me faziam uma companhia agradável, eu os achava engraçados e até esquisitos e tristes, cada um com suas particularidades, cada casal com sua história diferente.
Mas foi um casal, apenas um casal, que me chamou a atenção, não sei direito porque, talvez pela frequência com que me procuravam, ou talvez pela intensidade da presença deles dentro de mim, o que importa é que esses dois despertaram em mim, que sou apenas um banheiro, simples (humilde) e ocioso banheiro, uma sensação de compaixão.
São a respeito deles que eu venho contar a vocês hoje, eles me procuraram pela primeira vez numa segunda-feira ou terça-feira, não sei direito porque banheiros não são muito bons com data, assim que os vi, pensei que eram apenas mais um casal de rapazes ao avesso. Não eram, vieram tantas e tantas vezes que não os esqueci, e falavam muito, ou melhor, sussurravam, e eu que sou sempre curioso ouvia tudinho, falavam tantas bobagens, coisas complicadas como “eu te amo” (inclusive tenho dificuldades pra saber o que isso significa), sussurravam também mensagens enigmáticas do tipo, “é uma pena eu não poder te abraçar fora daqui” que complicado de se entender isso, porque não poderiam se abraçar fora de mim? Só fui entender mais tarde, mas a princípio me achei até importante para os dois, fez bem pro meu ego.
Enfim, eles sempre vinham a mim me pedir cobertura e aconchego, e eu que sou tão generoso os acolhia e até fazia mais, eu camuflava os beijos, carícias e abraços que nunca poderiam ser trocados em público, ainda mais assim, por dois rapazes, dois iguais. Foi a partir daí que começou a brotar dos meus azulejos um sentimento de dó. Que pena que eu senti, dois amantes reféns da promiscuidade de um banheiro velho, com seus quase cem anos.
Comecei a pensar (sim, banheiros do meu tipo desenvolvem até pensamentos) o quanto era aflitivo não poder segurar a mão de quem se gosta, muito menos poder abraçar, devia ser angustiante só se sentir livre dentro de um banheiro aprisionador.
Uma peculiaridade: o rapaz que era sempre encostado na parede era o mais passional, declarava um amor rasgado sempre que entravam em mim, já o que encostava o outro na parede era mais frio, sisudo, apenas ouvia, no entanto era ele o que mais se mexia.
Um fato: eles se amavam
Comecei a contar as vezes que vieram a mim, parei na 8ª, depois passei a só assistir. A infelicidade de ser estático me surgiu quando eu tentava dar um conselho aos dois e eles não me escutavam (ou fingiam que não me escutavam).
Já sabia como que eles se comportavam quando entravam em mim, a partir da 4 ª vez já havia se tornado clichê, chegavam, beijam sussurravam, beijavam mais, e iam embora.
Entedio-me muito facilmente, mas seus sussurros e beijos nunca eram iguais, e talvez por isso eu nunca perdi o interesse neles, eu chegava a esperá-los de tarde, e me decepcionava quando eles não vinham, mas um ou dois dias depois eles sempre estavam de volta, foi longo enquanto durou.
Ingratos, esqueceram de me visitar, pensei assim que se alongou o período em que eles não recorriam mais ao velho banheiro, não me pergunte o porquê deles não chegarem mais em mim, pois já lhe falei das minhas desvantagens de ser estático, e dentre essas desvantagens está o fato de eu nunca saber o desfecho das histórias que se iniciam dentro de mim e acabam lá fora.
 Eles simplesmente pararam de me pedir abrigo, aconchego ou como queiram chamar. Simplesmente pararam. Não sei se eles deixaram de se ver, o que eu acho difícil, porque caso se lembrem do fato que eu disse a vocês, eles se amavam, e geralmente não me engano na minha leitura de sentimentos.
 Enquanto a mim, eu fico aqui, imóvel, apenas na torcida, sim, eu torço por eles, torço para que dois rapazes saiam da clandestinidade, e se aceitem, e que os outros que se acham normais, porém nem são tão normais assim os aceitem também, e que aceitem a tantos outros homens e mulheres perfeitamente normais em toda sua diferença.
Encerro aqui, irritado, porque chegou mais um para vomitar o meu chão...
Marcos Gurgel

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